Hélio Oiticica era pra mim um marginal, um herói e um mistério. Resolvi desvendá-lo: encontrei um passista, um artista, um inventor, uma bicha, um maluco e mais mistérios. Tudo começou quando me desafiei a responder a pergunta que eu mesma me fiz: "que cor tem o brasil?"

 

Hélio me daria a resposta, mas o Brasil não é para amadores, e a resposta não veio em cores, mas em dança e som. Pensava que o que Hélio fazia era arte, que fazia pintura, mas ele mesmo me diz "o q faço é MÚSICA".

 

MÚSICA como síntese da descoberta do corpo, um corpo liberto, um corpo que dança. Hélio, como dá pra sacar, era também um nietzschiano, daqueles que não conseguem crer em um deus que não dance.  A dança, segundo Nietzsche, coloca o homem em contato com essa essência artística do mundo, não a dança ensaiada, mas a dança do êxtase*.

 

Muito antes de poder se irritar com as coreografias do Tiktok, Hélio já queria a dança não coreografada, o corpo livre, o descontrole do corpo que dança e que samba. Impressionado com a força dionisíaca que emana dos ensaios de samba e incitado pelos escritos de Friedrich Nietzsche, Oiticica propõe uma arte que aconteça por “incorporação”*.

 

E, como o samba lá em Mangueira que é bom, os parangolés acontecem em Mangueira e por causa de Mangueira. Foi pensando na Mangueira, nos Parangolés, na MÚSICA, na dança que comecei a imaginar que a incorporação da arte que Oiticica procurava é a encarnação das pombagiras que certamente dançavam por Mangueira e que os parangolés são suas saias.

 

A pombagira é essa mulher, dona de si, que dança com suas saias esvoaçantes (ou seus parangolés), que protege sexualidades livres e desafia padrões normativos enquanto ginga, porque é senhora de seu corpo, um corpo que por estar no controle se descontrola livre pelas ruas, ela também guarda as ruas, já que são as ruas espaços de encontro, movimento e transformação.

 

Gosto de pensar que Hélio encontrou em Mangueira o que leu em Nietzsche e que a pombagira é a incorporação dessa filosofia: uma filosofia incorporada, encarnada e profunda.
 

E foi assim que encontrei resposta para minha pergunta. Sabe qual cor tem o Brasil? Cor de pombagira, de parangolé, de Morro da Mangueira.

 

 

*Paula Braga. A cor da MÚSICA: há uma metafísica em Hélio Oiticica. (em: https://www.scielo.br/j/ars/a/xvTgbBh675ZKx9msC6SN5gN/?format=pdf&lang=pt)

 

 

 

 

 

Por Raísa Anderson.